Pedro Nunes Filho:
Um curral com toras de aroeira,
Uma silha numa roda, um queitatu,
Uma gamela talhada em mulungu,
Para nela cair manipueira,
Engenhoca chamada bolandeira,
Vomitando caroços de algodão,
Moradores fiéis a seu patrão,
Disso tudo não resta mais é nada,
Encontrei esta casa abandonada,
Sem cuidado, sem vida e sem paixão.
Agostinho com zelo construiu
Sua morada de pedra e alvenaria,
Empregando a matéria que havia
No outeiro que ele descobriu,
Só ladrilhos bateu pra mais de mil,
Ficam fortes as casas do Sertão,
Tempestade medonha, nem tufão
Causam danos às telhas ou fachada,
Encontrei esta casa abandonada,
Sem cuidado, sem vida e sem paixão.
As paredes pintadas pelos anos
Com tinturas que o tempo não desfaz,
No alpendre um só banco não tem mais
Para o dono sentar-se e fazer planos,
Um inseto cruel, dos mais tiranos
Acabou com as safras de algodão,
Nem os roncos de carro ou caminhão
Nunca mais foram ouvidos na estrada,
Encontrei esta casa abandonada
Sem cuidado, sem vida, sem paixão.
Num caminho que corta a várzea plana,
Oiticicas e velhas craibeiras,
Mais embaixo algumas quixabeiras
Onde havia no passado um mar de cana,
Agostinho Patrício e Dona Ana
Atiravam sementes sobre o chão
E a terra lhes dava produção
Pra manter a família alimentada,
Encontrei esta casa abandonada,
Sem cuidado, sem vida e sem paixão.
Numa recanto da sala um santuário
Enfeitado com flores e com velas,
As meninas cantando eram belas
E a mãe desfiando o seu rosário,
Os vizinhos durante o novenário
Imploravam dos céus a proteção
E depois que findava a oração
A família ficava abençoada,
Encontrei esta casa abandonada,
Sem cuidado, sem vida e sem paixão.
Pedro Rômulo Nunes:
Foi à custa de muito sacrifício,
A madeira da mata ainda em rolo,
Com a barro fabricou telha e tijolo
Para assim começar seu edifício,
Lá do alto avistando o pai Patrício
Limpou tudo, mediu, cortou o chão,
Fez as portas, fez cercas, fez portão,
Caprichou pra fazer sua morada,
Encontrei esta casa abandonada
Sem amor, sem carinho e sem paixão.
Vendo assim o que fez tudo bonito,
Feito à mão tudo carinhosamente,
Procurou a mulher mais atraente
Pra com ele viver tempo infinito,
Na Fazenda Cipó viu Ana Brito,
Começando com ela a sedução,
Esses jovens fizeram a ligação
De família a família aproximada,
Encontrei esta casa abandonada
Sem amor, sem carinho e sem paixão.
Todo ano surgia sempre um filho,
Numerosa foi sua descendência,
Criou todos inspirado na decência,
Procurando enquadrar eles no trilho
E assim conseguiu com todo brilho
Transmitir a melhor educação,
Contemplando a nobre intenção
Dessa gente ficar bem amparada
Encontrei esta casa abandonada
Sem amor, sem carinho e sem paixão.
Relembrando do velho patriarca
Conhecido por sua consistência,
Bem dotado de muita inteligência,
Muito amigo detinha na comarca,
Vinte e oito foi sua logomarca,
Adotou pra fazer sua gestão,
Conhecida em toda região,
Tinha a sua marca registrada
Encontrei esta casa abandonada
Sem amor, sem carinho e sem paixão.
Hoje existe parede que se inclina,
Está caindo uma parte da traseira,
Não se ouve cantar na cumeeira
Com açoite o galo de campina,
Nos portais já existe uma cortina
De tristeza, saudade e solidão,
Dentro dela se sente assombração
Pelo tempo que está assim fechada,
Encontrei esta casa abandonada
Sem amor, sem carinho e sem paixão.
Vendo isso me sinto de algemas
Sem ter como este caso resolver,
Nos terreiros quem olha pode ver
Uma mata fechada de juremas,
Quem visita já mais esquece os temas
Do desprezo, mal trato e omissão,
Como é que se deixa um casarão
Se acabar sem ao menos fazer nada,
Encontrei esta casa abandonada
Sem amor, sem carinho e sem paixão.
Vou rezar para não virar ruína
Esta casa que ao longo desses anos
Foram feitos outros tantos quantos planos
Por mamãe, Agacilda e Agarina,
Agarlete, Deca e Nova que termina,
Tia Agá e Socorro lembrarão
Dos momentos de muita animação
Que tiveram em época passada
Encontrei esta casa abandonada
Sem amor, sem carinho e sem paixão.