quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

CASA ABANDONADA (Pedro Nunes e Rômulo Nunes)















Pedro Nunes Filho:

Um curral com toras de aroeira,

Uma silha numa roda, um queitatu,

Uma gamela talhada em mulungu,

Para nela cair manipueira,

Engenhoca chamada bolandeira,

Vomitando caroços de algodão,

Moradores fiéis a seu patrão,

Disso tudo não resta mais é nada,

Encontrei esta casa abandonada,

Sem cuidado, sem vida e sem paixão.


Agostinho com zelo construiu

Sua morada de pedra e alvenaria,

Empregando a matéria que havia

No outeiro que ele descobriu,

Só ladrilhos bateu pra mais de mil,

Ficam fortes as casas do Sertão,

Tempestade medonha, nem tufão

Causam danos às telhas ou fachada,

Encontrei esta casa abandonada,

Sem cuidado, sem vida e sem paixão.


As paredes pintadas pelos anos

Com tinturas que o tempo não desfaz,

No alpendre um só banco não tem mais

Para o dono sentar-se e fazer planos,

Um inseto cruel, dos mais tiranos

Acabou com as safras de algodão,

Nem os roncos de carro ou caminhão

Nunca mais foram ouvidos na estrada,

Encontrei esta casa abandonada

Sem cuidado, sem vida, sem paixão.


Num caminho que corta a várzea plana,

Oiticicas e velhas craibeiras,

Mais embaixo algumas quixabeiras

Onde havia no passado um mar de cana,

Agostinho Patrício e Dona Ana

Atiravam sementes sobre o chão

E a terra lhes dava produção

Pra manter a família alimentada,

Encontrei esta casa abandonada,

Sem cuidado, sem vida e sem paixão.


Numa recanto da sala um santuário

Enfeitado com flores e com velas,

As meninas cantando eram belas

E a mãe desfiando o seu rosário,

Os vizinhos durante o novenário

Imploravam dos céus a proteção

E depois que findava a oração

A família ficava abençoada,

Encontrei esta casa abandonada,

Sem cuidado, sem vida e sem paixão.


Pedro Rômulo Nunes:

Foi à custa de muito sacrifício,

A madeira da mata ainda em rolo,

Com a barro fabricou telha e tijolo

Para assim começar seu edifício,

Lá do alto avistando o pai Patrício

Limpou tudo, mediu, cortou o chão,

Fez as portas, fez cercas, fez portão,

Caprichou pra fazer sua morada,

Encontrei esta casa abandonada

Sem amor, sem carinho e sem paixão.


Vendo assim o que fez tudo bonito,

Feito à mão tudo carinhosamente,

Procurou a mulher mais atraente

Pra com ele viver tempo infinito,

Na Fazenda Cipó viu Ana Brito,

Começando com ela a sedução,

Esses jovens fizeram a ligação

De família a família aproximada,

Encontrei esta casa abandonada

Sem amor, sem carinho e sem paixão.


Todo ano surgia sempre um filho,

Numerosa foi sua descendência,

Criou todos inspirado na decência,

Procurando enquadrar eles no trilho

E assim conseguiu com todo brilho

Transmitir a melhor educação,

Contemplando a nobre intenção

Dessa gente ficar bem amparada

Encontrei esta casa abandonada

Sem amor, sem carinho e sem paixão.


Relembrando do velho patriarca

Conhecido por sua consistência,

Bem dotado de muita inteligência,

Muito amigo detinha na comarca,

Vinte e oito foi sua logomarca,

Adotou pra fazer sua gestão,

Conhecida em toda região,

Tinha a sua marca registrada

Encontrei esta casa abandonada

Sem amor, sem carinho e sem paixão.


Hoje existe parede que se inclina,

Está caindo uma parte da traseira,

Não se ouve cantar na cumeeira

Com açoite o galo de campina,

Nos portais já existe uma cortina

De tristeza, saudade e solidão,

Dentro dela se sente assombração

Pelo tempo que está assim fechada,

Encontrei esta casa abandonada

Sem amor, sem carinho e sem paixão.


Vendo isso me sinto de algemas

Sem ter como este caso resolver,

Nos terreiros quem olha pode ver

Uma mata fechada de juremas,

Quem visita já mais esquece os temas

Do desprezo, mal trato e omissão,

Como é que se deixa um casarão

Se acabar sem ao menos fazer nada,

Encontrei esta casa abandonada

Sem amor, sem carinho e sem paixão.


Vou rezar para não virar ruína

Esta casa que ao longo desses anos

Foram feitos outros tantos quantos planos

Por mamãe, Agacilda e Agarina,

Agarlete, Deca e Nova que termina,

Tia Agá e Socorro lembrarão

Dos momentos de muita animação

Que tiveram em época passada

Encontrei esta casa abandonada

Sem amor, sem carinho e sem paixão.