domingo, 5 de junho de 2011

HISTÓRIA DO VAQUEIRO VICENTE MATIAS CONTADA NO LIVRO CAATINGA BRANCA (Pedro Nunes Filho)

Vicente Matias da Pedra da Bicha, quando completei quinze anos de idade, meu patrão me chamou e me deu um terno completo de couro e disse:

-Vicente, de hoje em diante, você vai ser vaqueiro.

Fiquei todo arrepiado quando ouvi meu amo dizer isso. Me lembrei logo do que meu pai dizia:

- Nessa terra só tem prestígio quem é vaqueiro.

Meus beiços tremeram, olhei para o chão para disfarçar o que estava sentindo.

- Vai chorar, moleque? – meu amo perguntou, participando de minha emoção.

Ele conhecia minha história de vida e sabia muito bem o que tudo aquilo representava para mim. Por isso, estava também muito feliz.

Os vaqueiros que estavam ao redor riram. Ele bateu em minhas costa e acrescentou:

- tem mais. De hoje em diante, você vai montar no cavalo parafuso. Trate bem dele. É como se fosse seu.

- Parafuso?! – perguntei sem acreditar.

Comovido com minha alegria, ele balançou a cabeça afirmativamente.

Parafuso era, de fato, o melhor cavalo da fazenda. Tinha todas as características de um cavalo bom de campo. Esguio, sóbrio, rabo comprido, crinas grandes, capaz de resistir às maiores privações e os maiores esforços sem se cansar. Com o passar dos tempos, fomos nos acostumando um ao outro. Não sei porque parafuso era diferente dos outros cavalos da fazenda. Era um animal desanimado, triste. Seus olhos só brilhavam na hora de pegar um boi brabo ou de esperar um garrote arisco na saída de uma pista de vaquejada. Depois disso, as pálpebras murchavam, baixava a cabeça e arriava as orelhas numa sonolência inexplicável. Mal se dava o trabalho de balançar a calda para espantar as moscas e os mosquitos impertinentes. Era um animal esperto, mas aparentava se ronceiro e preguiçoso. Era sadio e forte, mas estava sempre descansando uma das patas traseira, dando a entender que estava cansado. Quando eu apertava as esporas, tornava-se ágil como o vento e mergulhava na caatinga com toda valentia. Diante de um galho rasteiro, abaixava-se para me proteger. Se precisasse passar entre dois troncos estreitos, alongava-se e afinava a cintura. Pulava grotas, beirava precipícios, enfim, só entrava onde sabia que dava para passar meu corpo raquítico de vaqueiro corajoso e destemido.

Parafuso era cobiçado por todos os vaqueiros da fazenda. Por isso, me senti um príncipe, um príncipe das caatingas caririzeiras, vestido de gibão, perneiras, guarda-peito, luvas e montado em parafuso com arreios enfeitados de latão.

Em pouco tempo me tornei o melhor vaqueiro da fazenda. Não havia bicho brabo que eu não pegasse. Na arrancada, parafuso saía logo na frante e eu me lembrava do que meu oai dizia:

- Abra os olhos, moleque! Vaqueiro corre de olho aberto!

Em questão de minutos, parafuso derrubava a rês, eu saltava em cima dela, quando os vaqueiros encostavam, eu já estava botando o chocalho e a máscara.

Minha fama correu meio mundo em pouco tempo. De toda parte me convidavam para as pegas de boi, para as vaquejadas e para as festas de apartação. Naquele tempo não havia cercas como hoje. As fazendas eram grandes e o gado se criava solto nas terras de ninguém. Quando o sol de agosto começava a dourar as folhas da caatinga, estava no tempo de apartar o gado e ferrar a bezerrada. Os vaqueiros reuniam-se e faziam festas de apartação. Cada um conhecia o gado de seu patrão. Era só apartar e ferrar. Não havia erro nem dúvida. Matava-se um boi e a festa rolava uns dois ou três dias, cada vaqueiro querendo mostrar mais coragem e preparo na pega do gado brabo, arisco e gordo.

Os vaqueiros tinham participação nas crias, por isso havia tanto interesse e cuidado com os criatórios.

Nas vaquejadas, eu era sempre o primeiro colocado. Derrubava o boi onde bem queria. Ficava todo mundo doido, querendo me ver montado em parafuso .

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